A trapeira de Tambaú

A trapeira de Tambaú

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Na calçada do prédio de luxo, a mulher anônima cata no lixo a sobrevivência. Diariamente! Até aprendeu a organizar a vida doméstica em função desse trabalho. Arranja tempo para levar filhos à escola, lavar roupa, arrumar a casa, improvisar almoço e jantar.

 

E fala com fria franqueza:

 

– Na minha casa, todo dia é dia de improviso. Saio cedo da tarde e volto tarde da noite. E aí quem comeu, comeu! Quem não comeu não come mais!

 

São quatro bocas para alimentar e, por último, chegaram mais duas. A mãe velhinha e sua filha de criação.

 

– Quem me salva é o “bolsa-família!” e a pensãozinha de mãe! Pago aluguel, compro comida e algum trapo para os meninos. Outras coisas, eu vou conseguindo de porta em porta.

 

– O marido sumiu! Disse que ia trabalhar no Rio de Janeiro. Nem sei se ainda está vivo! Filho dele mesmo, só o mais velho. Que fique por lá! Não quero mais saber de homem no meu barraco, resmungou.

 

– Mas, reparei que a senhora é uma mulher bem-parecida. Veste-se bem! Está com tudo no lugar, brinquei. Como uma mulher tão bonita veio parar nesse serviço pesado? Perguntei meio sem jeito?

 

Vaidosa, as primeiras respostas não foram para o que me interessava. Foram para o que mexeu com sua auto-estima. Vendo que a mulher não respondia ao que eu, de fato, queria saber, insisti:

 

– E para o trabalho de coleta do lixo, como a senhora entrou?

 

– Logo que começou esse negócio de reciclagem, me juntei a um grupo organizado aqui no bairro. Não sei fazer muitas coisas! Fiquei muito tempo de doméstica na casa dos outros. Não quis estudar, não ganhei nada!

 

E, aparentando segurança arriscou:

 

– Acho que sou feliz! Nos fins de semana, me arrumo, vou passear, danço forró, completou cheia de orgulho e fazendo ares de que ainda era moça fagueira.

 

E demonstrando que não estava ali para jogar conversa fora, mesmo vencida pelo cansaço, mergulhou suavemente a cabeça para dentro do latão de lixo do prédio de luxo, para catar, lá no fundo, a sobrevivência da família. Trapeira de Tambaú, mulher anônima, mulher guerreira, mulher que achei maravilhosa!

 

M. Coimbra

João Pessoa – Paraíba – Brasil

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